04/07/2016

O JOGO DAS VERDADES NO PROCESSO PENAL: A REAL OU A DELATADA?

Por Daniel Kessler de Oliveira


Falar de “verdade” no processo penal sempre despertou muita polêmica, pois são muitos os problemas que vivenciamos no passado e no presente acerca da busca pela verdade dos fatos.

A famigerada “verdade real”, alçada por alguns à categoria de princípio do processo penal, legitima abusos e justifica uma séria de arbitrariedades utilitaristas.

Aí sempre surgiram os questionamentos sobre a possibilidade do processo  atingir uma verdade? Deve o julgador buscar a verdade sobre os fatos? Estas são questões que há muito habitam o campo dos debates jurídicos, mas parece que ainda estamos longe de chegar ao fim ou a um consenso sobre o tema.

Não raras vezes encontramos atitudes arbitrárias por parte de julgadores que desrespeitam os limites impostos pela legislação e pelo texto constitucional, para atingir o propósito da “verdade”, que ainda ganha a ilusória adjetivação de “real”.

A problemática da busca da verdade no processo penal, sempre andou juntamente com o poder, em especial com este poder divino do juiz, de revelar a verdade. A verdade como uma revelação. Esta estrutura fundou o sistema inquisitório do qual tanto devemos nos afastar (LOPES JR., 2012, p. 578).

Tais métodos aparecem perfeitamente descritos na antológica obra de Nicolau EYMERICH (1993), “O Manual dos Inquisidores”, onde o autor descreve os pormenores da Inquisição, fazendo um verdadeiro roteiro de como o inquisidor devia se portar para a busca aos hereges e exterminar a heresia que tanto ameaçava os poderes da soberana igreja.

Através desta concepção de verdade, advém uma percepção do processo como característica de promessa de uma prestação jurisdicional perfeita, oferecida por um juiz infalível, que irá dizer a verdade e fazer a justiça. Há, assim, uma proximidade muito grande entre esta concepção da verdade e o exercício de um poder arbitrário que desconhece, ou ao menos desrespeita, limites (KHALED JR., 2013, p. 494).

Exemplos históricos já nos demonstraram o problema de ter a verdade como objetivo do processo, pois mesmo se retirando a tortura e o inquisidor, permanecendo a verdade como norte do processo, deve-se buscar meios que a alcancem e, com isto, as formas processuais devem debilitar tudo aquilo que permitisse ingressar o jogo de interesses e atividade das partes e fortalecer tudo o que servir aos velhos mecanismos (tortura e inquisidor) (BINDER, 2003, p. 51-52). Vale referir, conforme preceitua CUNHA MARTINS (2010, p. 88):

“o problema basilar da verdade tem a ver com a desproporcionalidade de seu lugar canônico e não com a utilidade das competências que ela assegura.”

Partindo desta acertada visão do autor, devemos ter em mente que não se está a desprezar a existência da verdade, até mesmo porque o processo penal é um instrumento de reconstrução de um fato histórico, portanto, algo aconteceu e de alguma maneira.

Diante disto, não podemos deixar inteiramente de lado a verdade em relação ao processo, sob pena de, com isto, realizar-se um outro tipo de excesso, fruto de um relativismo exacerbado, que sequer pode ser considerado um modelo processual e que poderia conduzir a resultados desastrosos, legitimando o decisionismo (KHALED JR., 2013, p. 305).

Esta é a nova problemática que passamos a vivenciar em nossos processos, onde tudo está sujeito a composições, a ajustes de conveniências e à mercê de interesses, quando a delação (ou colaboração) é quem reconstrói os fatos e ganha a possibilidade de ditar os rumos do processo.

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